sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Temática

Imagem: Marc Chagall, "Rain", 1911.

Não há que se ditar tão comedidamente
O que é banal.

Nem saiu minha prosa da fôrma
Que fora, antes, pré-aquecida
A fogo baixo.

Não teve a medida, a cautela, a calma
De não se fazer transbordar no fogão.
De não se portar indiscretamente,
- Como um tímido, recatado signo.

Fez sujeira.
Saiu marcando todo o chão.
Manchando com seu aroma os cômodos,
O corredor,
Toda a casa, antes plácida.

Vê! Escapole agora pela janela.
Nem corras que não a pega!
Tomou forma de algo além
Do que pode o teu paladar.

Teu sentido guiado pelo prazer físico, material
- tudo tão simploriamente palpável.

Tem cerne fugaz.
Estremece, eloquente que me parece.
Não me fez cogitar voltar atrás.

Está fora de foco a minha frase, bem o sei.
Mas vem em alternância,
Sussurrando e esbravejando,
Briga, luta, guerreia consigo mesma...

Já não nos importa o caos que causa.
Já não convém abarcar matematicamente
Seus pormenores.
A física, o estudo dos astros, a força gravitacional
- Suas exatidões não interessam ao contexto.
O contexto que, todo inexato, tem sutileza no trato.

Escorrega por entre meus dedos
- na sua velocidade incalculável.
Encharcando meus espaços, meus passos, hiatos...
Já nem os reconheço mais.

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Sucessiva(Mente)

Imagem: Joaquim Sorolla, "Promenade by the Sea", 1909.

Razoáveis auroras do dia
A cada milésimo de segundo
Renascem, recontam, voltam a descompassar.

Em descompasso, alinho-me à marcha cotidiana,
Rotineiramente a insistir em me colocar no lugar.
Sigo no desacerto dessas linhas,
Na forma não melodiosa de tantas canções,
Na mania de exasperar regras simbolistas...
Um esmero em desarranjar.

Em desconexão.
Fora do traço, do ato, do asfalto...
Quando a tradição mostra, enfática, onde é o chão.
As horas contadas é que ditam a precisão
- som aturdido de sirene a bradar-.

Desarticular:
Quais os alcances e possibilidades?
A vontade do grito de um sim
Quando a ratio anuncia um não.

Não nos deslumbra o toque da campainha
Que sucede em momento esperado.
Ou a visita descontente no encontro agendado.

Todo extraordinário despreza o bater do ponto,
O bom-dia automático,
O terno, a gravata, a vã emoção pronunciada.
Não redigem a manchete, nem há chamariz!

Não ferve, nem produz gelo que chegue a queimar.
É isenta de odor, incolor, sem sal de mar.
Ah, a brisa de um mar revolto agora...
Como serviria para destoar!

Mas que vantagem há em lembrar?
É urgente o relatório.
A pronta-entrega.
O cumprimento da promessa.

O verbo que se almeja vai ficando mais para lá...

sábado, 8 de fevereiro de 2014

Do Frescor Efêmero

Imagem: Abdelkayoum Khounfais, "Tempo".

Aqueles eram dias em que as manhãs, jocosas,
Brincavam de entardecer;
A despedida ligeira de uma rima secreta
Abafada por entre os cobertores,
Sentida no tremor das primeiras horas.

Outras vezes, eram as noitinhas que amanheciam,
Cantando alegrinhas.
Acordavam ávidas por segurar o dia ali,
Estanques no acontecimento,
Como quem se agarra a recordações
Que parecem ousadamente se desvanecer.

Entre chegadas e despedidas dos astros,
Ria-me dos periódicos a fazer alarde,
Dos senhores atentos aos fenômenos do clima,
Dos mercadores ansiosos pelas primeiras vendas,
Das propagandas a fazer reluzir a coisa mais ínfima.

Punha as mãos a sustentar o rosto,
Como quem discerne superficialidade e imensidão,
Achando graça de toda aquela coisa.

Mas há tanta juventude ainda...
Como é lindo vê-la cantar sem precisar esforçar-se!
Rápida, fresca, fugidia.

Tão cristalina, vendo-se refletida em lagos narcísicos
Pois reza a lenda assim...
Todavia, com ecos e berros austeros,
Era inegável tamanha vulnerabilidade.

Vulnerável a nós,
Suscetível ao mundo,
Transbordando ainda o brilho de um olhar recém-surgido.
Sabíamos carregar a bandeira flamejante
Que é o vigor de ver surgir a vida.

Mas o susto de viver era ainda mais próximo que a própria sombra,
Acompanhando, mãos entrelaçadas, sem cessar...

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Dona Hanna e seu Companheiro

Imagem: Vincent Van Gogh, "A Cadeira de Van Gogh com Cachimbo", 1888

(aos meus avós)

Postas no chão
Duas cadeiras de madeira antiga,
Como que relíquias dos tempos de outrora.

Sobre elas, um casal simples,
De mais idade que as tais cadeiras,
Assistiam ao descortinar do dia.
Apressado,
Pondo a rua em movimento e frenesi.

Contudo, não estavam imersos na rua
Ou nos perdidos pedestres, carros, prédios,
Urgentes compromissos a acelerar o fim do ano.

Guardavam com zelo e cuidado
A surpresa de serem um para o outro, apenas.
De poder encarar o correr de toda aquela gente
Como prescindível recurso às suas ternas tardes.

Tardes quentes,
Estufas ensandecidas essas grandes cidades...
Tão mal habituadas a calar palpitações.

Absortos em si próprios;
A sabedoria era desfrutar de duas presenças
Da forma certa, como deve ser.
As mãos que exerceram todo o trabalho
Agora repousam sossegadas
Sobre os ombros do outro, a aliviar a fadiga.

Sentiriam pena dos que ainda
Não receberam dos anos a dádiva do mais saber?
Ficariam perdidos por entre décadas,
Sobre o que foi aurora e, por fora, não mais o é?

Não sei quantas vezes por eles passei.
Se calhar, um sem-fim...

Com a inquietude que traz
Meu receio de perder a hora,
De chegar tão tarde,
De ter que deixar pra depois
O que me propus a fazer,
Sem sequer poder explicar o porquê.

Mal sabendo eu...
Ai de mim, é tanto o que desconheço!
Que fruir o momento estava ali,
Apresentando-se com desenvoltura
Para quem, na pressa, ignorava.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Do Porvir

Imagem: Claude Monet, "Bain à la Grenouillère", 1869

Deixa-me verdejar o êxtase,
Tornar o oceano calmo de azul celeste
Em verde inconteste e inconstante.
Distorcendo a monocromia dinâmica
De terra e céus.

Que a nós seja permitido transpirar o ânimo
De poder vislumbrar
Cada inspiração vir alegremente alada
A rodear-nos.

Atingir o cume dos sentidos;
Amplitude de entrega;
Ápice de auto-reconhecimento,
Que espelho nenhum traduz ou concebe.

Desistência da busca insaciável por uma rota.
Inelutáveis mania e ensejo
De querer ser mais transcendência,
Aplacando o solo, obstinadamente.

Excedência

Imagem: Vladimir Kush, "Metaphorical Journey".

Ato-me ao imponderável do sonho
-trêmula entorpecência-.
Não nos cabe definir as cenas e decorrências
De um clímax utópico qualquer.

Leva-me embora, moço
Ajuda-me!
Derruba os cenários daqui...
O anseio que temos
É por um novelo de ideias
Que se desdobram à revelia do nosso contexto.

Estende uma mão a me socorrer,
Há tanto que devo pôr em ordem.
Cada móvel em seu preferível lugar,
Toda intenção em seu instante exato,
Meus objetos e livros andam tão espalhados...

As divagações da mente
Não obedecem ao tempo-espaço.
Estou agora, aqui;
Na hora, além;
Por vezes, aquém...
Sei lá.

Imagens, cores e moldes que ilustram
Meu sonhar são os paulatinamente construídos
No decorrer dos nossos dias;
No discorrer de nossas não-concisas vaguezas;
Transcorrem tomando forma de devaneio.

E voltam.
Esbaforidos,
A me alertar acerca de minha própria circunstância.
Que - equivocadamente - imaginei já conhecer
E dominar.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Metáfora

Imagem: Claude Monet, "Clifftop Walk at Pourville", 1882

Sorrisos frustrados permeiam
Lágrimas furtivas de comiseração:
Um cotidiano mais que comum.
Entrecruzados suspiros - tímidos,
Retraídos lampejos de alumbramento...

São passageiros eternos,
Personagens sob óticas discrepantes
Atravessando tempos que os abatem,
A duras penas, pedras, solavancos.

As manhãs sopram brisas
Que não vêm por compaixão.
É séria a incumbência humana
De existir
E vestir de primaveras e versos
O caos da existência.

No entanto, raios que nos invadem,
Anunciando recém-nascido dia,
Aquecem, frementes, tudo aqui por onde piso.
Ainda enchem de algo
Semelhante à (espera)nça
O olhar dos que vêm passando.

Atônitos. Todos.
Indistintamente levados
Por infindas direções,
Que nos trazem e nos buscam.
Puxam, empurram...
Nós, os figurões.
Marionetes de eras e épocas:
Épicas.

Em ritmo, por rito,
Ou mera discordância em ser apenas o que se é,
Aceitamos e acordamos em porções do substrato.
Elucubramos.

Daí vem o sermos humanos?
Não sei.

Ah, já não sabes quanto quiseram os poetas
Reverter o que cede sempre ao mesmo vetor?
Precedem-nos em tentativas;
Haviam de ter-nos deixado fórmula...

Haverá quem nos suceda também!
Poetizando,
Enxergando num vil simplório
Tudo coberto de lira.

Pra fazer do suspiro, sublime elevação.
Suplantar, corrigir, deformar
Nossos redutores esquemas.