sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Dona Hanna e seu Companheiro

Imagem: Vincent Van Gogh, "A Cadeira de Van Gogh com Cachimbo", 1888

(aos meus avós)

Postas no chão
Duas cadeiras de madeira antiga,
Como que relíquias dos tempos de outrora.

Sobre elas, um casal simples,
De mais idade que as tais cadeiras,
Assistiam ao descortinar do dia.
Apressado,
Pondo a rua em movimento e frenesi.

Contudo, não estavam imersos na rua
Ou nos perdidos pedestres, carros, prédios,
Urgentes compromissos a acelerar o fim do ano.

Guardavam com zelo e cuidado
A surpresa de serem um para o outro, apenas.
De poder encarar o correr de toda aquela gente
Como prescindível recurso às suas ternas tardes.

Tardes quentes,
Estufas ensandecidas essas grandes cidades...
Tão mal habituadas a calar palpitações.

Absortos em si próprios;
A sabedoria era desfrutar de duas presenças
Da forma certa, como deve ser.
As mãos que exerceram todo o trabalho
Agora repousam sossegadas
Sobre os ombros do outro, a aliviar a fadiga.

Sentiriam pena dos que ainda
Não receberam dos anos a dádiva do mais saber?
Ficariam perdidos por entre décadas,
Sobre o que foi aurora e, por fora, não mais o é?

Não sei quantas vezes por eles passei.
Se calhar, um sem-fim...

Com a inquietude que traz
Meu receio de perder a hora,
De chegar tão tarde,
De ter que deixar pra depois
O que me propus a fazer,
Sem sequer poder explicar o porquê.

Mal sabendo eu...
Ai de mim, é tanto o que desconheço!
Que fruir o momento estava ali,
Apresentando-se com desenvoltura
Para quem, na pressa, ignorava.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Do Porvir

Imagem: Claude Monet, "Bain à la Grenouillère", 1869

Deixa-me verdejar o êxtase,
Tornar o oceano calmo de azul celeste
Em verde inconteste e inconstante.
Distorcendo a monocromia dinâmica
De terra e céus.

Que a nós seja permitido transpirar o ânimo
De poder vislumbrar
Cada inspiração vir alegremente alada
A rodear-nos.

Atingir o cume dos sentidos;
Amplitude de entrega;
Ápice de auto-reconhecimento,
Que espelho nenhum traduz ou concebe.

Desistência da busca insaciável por uma rota.
Inelutáveis mania e ensejo
De querer ser mais transcendência,
Aplacando o solo, obstinadamente.

Excedência

Imagem: Vladimir Kush, "Metaphorical Journey".

Ato-me ao imponderável do sonho
-trêmula entorpecência-.
Não nos cabe definir as cenas e decorrências
De um clímax utópico qualquer.

Leva-me embora, moço
Ajuda-me!
Derruba os cenários daqui...
O anseio que temos
É por um novelo de ideias
Que se desdobram à revelia do nosso contexto.

Estende uma mão a me socorrer,
Há tanto que devo pôr em ordem.
Cada móvel em seu preferível lugar,
Toda intenção em seu instante exato,
Meus objetos e livros andam tão espalhados...

As divagações da mente
Não obedecem ao tempo-espaço.
Estou agora, aqui;
Na hora, além;
Por vezes, aquém...
Sei lá.

Imagens, cores e moldes que ilustram
Meu sonhar são os paulatinamente construídos
No decorrer dos nossos dias;
No discorrer de nossas não-concisas vaguezas;
Transcorrem tomando forma de devaneio.

E voltam.
Esbaforidos,
A me alertar acerca de minha própria circunstância.
Que - equivocadamente - imaginei já conhecer
E dominar.