segunda-feira, 22 de julho de 2013

Apressa-te!

Imagem: René Magritte, "Le Soir Qui Tombe", 1964

Outrora eu desejaria os acordes
O lado mais suave
A onda que ainda não se partiu

A cantiga de roda
O contar dos corpos celestes
Dizer-me sem um termo que fosse frio

No entanto, temo que seja tarde
E o instante é o grito que já aconteceu
O som que já se ouviu - e passou
Sem deixar rastro, perfume, migalhas
A serem seguidas

E então vem o medo da perda
Da perda do sono, do toque, do jeito
Da perda de tempo que é afogar-se nessas suavidades
Quando se quereria o timbre por inteiro
Sentido na carne - e constante
O embalo que entontece
E ameaça fazer cair

Que passem, então, calmarias
O que for contido
O que não escapa
Aquele insípido monótono...
Rotina em que anda mansamente

Desperta, que a vida não vem vazia
Mas ainda há de ser preenchida
Com gélido calor, voz, melancolia
Submergidos, suscitando o caos
E a alegria!

Declama os becos, a agonia
As conquistas e a ansiedade, ainda
Confunde tudo, como se não esperasse
Tumulto maior!

Apressa-te!
Apressa-te que a matéria de que somos feitos
Não vacila em adiantar a estrada
A matéria de que o mundo é feito
Vive acostumada
Como uma senhora na janela
A ver tudo passar.

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Silêncios de Guerra


Sucedeu que, entre anos e anos
Titubearam as criaturas aleatoriamente.
Arbitrariamente, posto que sem rumo estavam.
Quatorze – lampejo de bombas e explosões
Alusões ao breu total – nenhuma expectativa colorida.

Grunhidos desconhecidos e um não querer...
Sem vontades. Sem remorsos. Sem dores.
Entorpecimento e um mundo organizado em dominó
Peça a peça – todas caem em vida.

Trinta e nove – sem quimeras, déjà vu.
Brutalidade e um poema fervendo a sangue frio...
E outras vozes caladas nunca anunciaram tanto!
Nunca pediram e imploraram tanto!
Quem respondesse – ouve?
Em terra, é sabido que não
Mas se ecoaram as vozes silentes – pois sim!

Num mundo vil e infame,
Há muito mais que essa porcentagem de ferro nas almas, amigo.
Há bruto cobre a revestir-nos,
Há baixíssimas temperaturas por entre nós...
E angústias mal resolvidas, marcas aqui e acolá.
Na pele, nos olhos e na história.
Nessa história que chega palpita, se escrita.

Sessenta e quatro – e ah meu país...
Por vezes, me vem o fardo de dizê-lo
E contá-lo, cantá-lo...
Tentar mostrar o que é esse povo e essa gente.
E pior: o que foi esse instante.
Por que razão foi metonímia da vilania do mundo.
E mais silêncio e susto a ele cedeu...
E – vês? – até coragem!
Em todos os asfaltos, buscou-se a flor
Ou qualquer sinal que fosse.
Em todos os relógios – descompassados –
A hesitação entre acelerar ou retardar
O tempo.

O agora de ontem e de hoje.

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Destoa

Imagem: Vincent Van Gogh, "Starry Night over the Rhone", 1888

De torpor e estado de graça, talvez
De uma mescla de sentidos que não condizem
De tentar, pensar em poder e romper
E cantar cada linha breve com o suspiro
Que sempre aspirou conter...

O que era, desconhecia
De onde vinha
O que continha
Inquietação.
Por ventura, surgia como forma de evasão,
Um fluir de si e para si;
Escapar da superfície massacrante das multidões
Que não subleva, mas sufoca, asfixia.

Via que teus hiatos não eram deveras teus;
Teu lirismo era ininterrupto,
Fora enlaçado em teu passo incerto...
Haveria de saber lidar com ele
Distanciar negações
Enxergar-se sob essa ótica forte demais

Sublime - espantoso - demais
Dinâmico demais para que se pudesse acompanhar 
De maneira compreensível e palpável

Não.
Nem era passível de compreensão...
Mas de perpassar com desespero e surpresa
Com cadência, e rima, e verso, e prosa
E som que nada diz e nada revela

Vem, descortina-se e recolhe-se aqui na minha canção!
Desdobra tuas incógnitas sobre os meus mistérios;
Une teus não saberes às minhas maiores questões.

Faz de todo não saber
Uma só grande dúvida
Uma só interrogação por onde deslizar
Desconhecendo as sinuosidades amplificadas
Curva, desnível e peso que emprestam ritmo ao nosso prosseguir
Ao nosso continuar
Apesar de...

Apesar do terreno em que tocamos ainda assustados
Com a leveza que vive em desacordo
E destoa de tudo que há em nós.