sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Poesia Concreta Sobre o Efêmero


Meus versos seriam lacrados;
Chave e cadeado a contê-los.
Queria-os seguros, mas dilatavam-se
E tomavam proporções inesperadas.

Tão belos eram, que nem pude contra eles.
O que te disse vinha como surpresa; surpreendente.

E a poesia fez-se entender!
Ao meu redor, ficarão os que a escutam,
Ouvidos atentos, com a novidade eterna nos olhos.
Ouviste que digo o que nem conheço e estranho-me.

Não domino, só construo.
Como quem faz um castelo de areia, utópico,
Sem saber que o oceano tem o poder de reduzi-lo a nada.

Contudo, os meus versos, estes permanecem.
Fazendo frente às intempéries.
Tal qual concreto.

Ah, essa vida poderosa!
Essa sensibilidade instável, quando,
em verdade, instável é a onda violenta trazida pelo ar.
Fora cruel com a construção à beira do mar,
sem ao menos avisá-la.

Mas a minha poesia estará protegida
pela ansiedade de uma criança,
Que descobre a si mesma todo o tempo,
com constante deslumbramento.

Resistindo, edifica-se.
Permanece cara-a-cara com o efêmero.
E haja coragem diante do que passa e finda!
Com rapidez tal que nos assusta...

Apressa-te,
Deixa-me ouvir teus versos vertiginosos.
Tu bem sabes que a poesia não se desfaz,
Caminha longas estradas continuamente.

Portanto, digo-te:
Meu querer é forte, porém, simples e fácil.
Eu quero hoje a poesia que preenche o dia,
palpitando, de tão viva.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Pobre País...


Quanta beleza tens tu, Brasil!
Mas, pobre país, não és capaz de ocultar tuas máculas,
Teus filhos pedintes de futuro corrompido.
Tua infância levada embora...
Vede! Tua infância foi roubada, Brasil!

E permaneces aí a olhar?
Como se a violência não fosse contra ti...

Pior que teres ficado sem teu ouro
É te apresentares agora assim.
(Assalto contínuo de tua identidade infante
E da tua venustidade exuberante...)

Teus direitos foram guardados nos bolsos das calças.
O amanhã, vorazes, tentaram devorar.
E cada um, parte pelo todo, prossegue,
Na luta, na rua, na vida. Prosseguem.

Teu verde está a ruir, tuas vidas se desvanescem...
Num grito abafado, nos animais que habitam o asfalto,
Quem és tu? Pobre país...

Se cada linha de uma poesia
É uma linha tortuosa...
Na tua, verde a amarelo fundem-se
Em vermelho vivo, vermelho sangue.

Tornaste-te a arma que cala os necessitados?
A ameaça dos que andam em ruas largas?
Assustados, inseguros, assombrados!
Quão lamantável é ver-te por tais ângulos...

Tua verdade ascende e denuncia
A falta de opotunidade que ofertas,
Os teus discursos imprudentes,
As tuas ordens. Ordens?
Os teus regressos inclementes

País de espaços historicamente violados,
De lágrima exausta a fluir...
Para onde prosseguir?


Ah, pobre país...

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Já Imaginou, Amor?


Mil redondilhas por mim proferidas esboçavam-te
Palavras fracas, sem sentido algum.
Tua poesia eu rasguei em pedaços miúdos,
Confrontei-a, duelamos.
Saí vencedora, posto que lá estava ela, destruída.

Quis convencer-me das tuas verdades, mas não podia.
Devia ser medo, receio, um temor profundo...
Já imaginou, amor?
Entregar-se assim, sem rodeios...
Sendo incapaz de notar os impasses, as pedras que se impunham.

O papel permanecia sobre a mesa
De nada mais valia, fora violentado.
Os versos tragados por mim recusavam-se a aceitar o fim trágico.
Ah, esses teimosos versos,
Cheios de caprichos... Esquecê-los-ei.

Demorei a decidir-me nesta situação
Passos em falso fazem muitos perderem o caminho
Mas não havia nada mais que pudesse suportar a carga dessa sensação.

Nem os diálogos, nem as distrações,
Nem mesmo a melodia que emanava do piano.

Mas havia a folha estragada,
Apenas ela mostrara-se forte o bastante
E agora, traída, recolhia-se aos seus pedaços.
Ela podia compreender a relutância inicial de alguns...
Em relação a tudo isso que nos toma, quais humanos.
Podia. Agora eram os cacos.

Oh! Sentimento sublime...
Falo de modo inequívoco contigo mesmo.
Tu, que és ousado ao tomar espaços dentro de nós.
És belo, transcende, transforma!
Mas estás acostumado a ser demasiado bravio.

Admiro-te agora e sempre mais.
Amo-te, no sentido que tens,
Em tuas definições contidas em dicionário,
No âmago pungente da palavra, amor.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Decifra-me


Ah, quisera eu ser uma constante incógnita...
Ininteligível, em alguns momentos,
Para que não fosse fácil me compreender.
Talvez eu efetivamente seja.
Pudera, eis as minhas palavras enigmáticas!
Que compõem uma autognose discreta.
Podes tu me decifrar?
Se fores capaz, peço-te que, por obséquio, guarde segredo!
O que seriam das minhas poesias se eu fosse uma resposta exata?

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Bucólica Felicidade


Não eram abastados.
Digo, tinham o necessário, não mais do que isso.
Uma televisão, um rádio de pilha, a geladeira.
(O sentimento...)
Os suprimentos expostos no canto da cozinha.

O programa ruidoso na televisão
Fazia parecer que havia mais gente na casa.

A mulher contava histórias ao filho mais novo,
O pai caminhava pela casa, pondo as coisas em ordem.
Amavam-se e, quanto à isso, não havia dúvidas.

Os filhos mais velhos espalhavam-se...
Alguns conversavam alegremente no último quartinho,
Enquanto os outros brincavam na varanda da casa.

A mulher refletiu, exausta.
Tivera um longo dia, trabalhara demais ajudando o esposo.
O esposo entregou-se a um suspiro profundo, a cabeça quente:
Talvez o alimento não bastasse até o fim da semana.

Sentaram-se ambos em frente à televisão.
Assistiram ao telejornal.
Estupefatos, trocaram olhares, deram-se as mãos.

Sentiram-se seguros alí.
Numa casa modesta e humilde,
Construída com esforço em uma paisagem bucólica.
A luta diária e o suor valiam à pena.

Voltaram novamente os olhos para o noticiário.
Mundo louco, confuso e desumanizado!
Estavam certos todo esse tempo:
Eram mais felizes do que imaginavam.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Tudo


Stop.
A vida parou.
Deveras impossível...
É tanto tudo acontecendo!
E em milésimos de segundo esse tudo se transforma...
Transforma-se tão rapidamente que, por vezes, nem sinto.
Parado deve estar mesmo o automóvel, amigo poeta.


(Intertextualidade com C. Drummond)

domingo, 1 de agosto de 2010

A Dor do Menestrel


Ah! Ser versátil...
Mostras teu talento
E a dor que dizes sentir
Veste-te das angústias alheias a ti
E demonstra quem és através de tais...
Se, de fato, fores alguém.

Mas não te apaixones
Não, não caias neste vazio!
Deixa o amor para os donos dos versos
Que, ferozes, preenchem teus lábios
Deixa a angústia e a incerteza para eles...

Disseram-te certa feita
Que românticos não são livres...
Creias, foge enquanto há tempo!

Não sintas que és menor
Por não ter o que é teu divulgado,
interpretado e vivido,
Assim como fazes com os poemas dos grandes!

Volta teus olhos para teu ofício
E não para o amor que não tens
Ou para as inverdades que dizes
Uma vez que não narras teus sentimentos...

Não te faças todo poeta
Permanece como intérprete
Das coisas que precisam ser ditas
Ou tu maldirás o amor por ter-se machucado.

Nota:
Não sabes quanto sofre um trovador.
Não conheces as amarras de ter um coração que não te pertence.
Deixa de ser assim falto de alegria!
Suspira enquanto podes respirar e restitui a tua arte.
Não fiques amargurado por considerar-te vazio. Não és.

Homens apaixonados oscilam em círculos.
Amam, declaram, expõem e fecham-se em si mesmos.
A canção simplesmente acaba.
Enquanto o sentimento permanece sufocador.

Não te voltes, por raiva
Ao escárnio ou ao maldizer!
Fala de amor ao amigo...
Renda-te, sem relutar, ao teu papel.

Enxuga esta lágrima agora. Depressa.
E ponha-se a recitar e cantar os seres amados
E também os que amam...
Para que eu ouça e, imersa, encontre-me, então.

Volta aos versos que não são teus, pulsantes e doloridos.
Esconde os teus para que não padeças...
Volta à tua vida não-vivida,
Contenta-te em ser apenas um menestrel.